quinta-feira, 10 de abril de 2008

Paradigmas "mix" em Investigação: realidade ou falácia?


A ideia de escrever este post surgiu a propósito do aceso debate que se instalou na turma sobre a existência ou não de paradigmas "mix", com colegas a defender a sua existência e outros, nos quais me incluo, que nem por isso...

É o tipo de paradigma que vai ditar a metodologia de investigação e, por isso, este é um aspecto fulcral. Se as ideias sobre aquilo que está na origem de qualquer processo de investigação, não ficarem adquiridas e bem organizadas, muito dificilmente se compreenderá a verdadeira essência da Investigação.

Uma coisa é falar do surgimento de novos paradigmas, outra é falar de paradigmas "mix". Pessoalmente, penso que isto é algo que não existe e, mais à frente, justificarei as razões da minha posição.

Um novo paradigma representa uma ruptura com os paradigmas existentes à data em que surge, mas isso não significa que os paradigmas anteriores cessem a sua existência ou sejam substituídos pelo novo paradigma. Esta é também a posição de Thomas Kuhn (1962), conhecido como o "pai do paradigma". Se não houver ruptura com os paradigmas anteriores, mantemo-nos nos campos desses paradigmas, já que continuam a existir ligações e então não faria sentido falar de novo paradigma. Diz-se de "novo" porque não existia até aí, quer o paradigma como um todo, quer os elementos que o compõem.

Em cada momento, podemos ter mais que um paradigma e um bom exemplo disso é a existência dos paradigmas qualitativo e quantitativo. Este é um aspecto muito importante, pois, partir do princípio errado de que em cada momento só existe um paradigma, levará a que se entre num tipo de raciocínio falacioso que deturpará todas as conclusões a jusante. O facto de se ter mais "simpatia" ou propensão por este ou aquele tipo de paradigma, não significa que os outros paradigmas não existam.

Os paradigmas existem para a Investigação tal como se de instrumentos se tratassem. Podemos utilizar um e não utilizar outro, ou vice-versa. Para o investigador, o importante é que possua uma flexibilidade intelectual que lhe permita, se adequado, ser capaz de mudar de paradigma. Um investigador com essa flexibilidade, poderá analisar cuidadosamente os paradigmas vigentes e, de acordo com a investigação a conduzir, fazer a selecção do paradigma mais adequado ao universo no qual a Investigação irá decorrer.

Há que combater a tendência para, de modo quase inconsciente, reduzir tudo à existência dum único paradigma, em função das preferências ou gostos pessoais. Por isso é importante ter a noção de que não existe um único paradigma, até porque se debate, inclusivamente, a emergência de novos paradigmas, algo que tem de ser encarado como perfeitamente normal.

A terminologia "mix" efectivamente existe, mas não é aplicável ao conceito de paradigma e sim à metodologia de investigação. Existe a metodologia quantitativa de investigação (que utiliza o paradigma quantitativo), a metodologia qualitativa de investigação (que utiliza o paradigma qualitativo) e a metodologia "mix" ou mista (que utiliza elementos quantitativos e qualitativos, em simultâneo).

Mas para perceber a falta de significado do suposto conceito de paradigma "mix", há que recorrer à definição do próprio conceito de paradigma. Entre várias definições possíveis, é genericamente aceite que um paradigma é um conjunto de assumpções, conceitos e valores que são sustentados por uma comunidade de investigadores, conjunto esse que se constitui numa referência inicial como base de modelo para estudos e investigações.

Se um paradigma é um conjunto de assumpções (plural), conceitos (plural) e valores (plural), não se deve cair na falácia de pensar que um paradigma é uma única assumpção, conceito ou valor (singular), pois isso seria "viciar" o conceito. Efectivamente, um paradigma normalmente é constituído por várias assumpções, conceitos e valores (plural), mas relacionados entre si o suficiente para terem uma uniformidade que permite caracterizar o paradigma, dentro duma mesma "linha", dentro duma mesma natureza.

Por incluir elementos da mesma natureza, é que um paradigma é uma referência, a tal referência inicial que serve de base ao modelo para estudos e investigações. E aqui reside a grande justificação para o facto de não se dever falar da existência de paradigmas "mix" (mistos), já que tal implicaria um conjunto de assumpções, conceitos e valores, mas de naturezas diferentes, algo que entraria em contradição com o próprio conceito de paradigma.

A falácia poderá estar no facto de se considerar que o adjectivo "mix" caracteriza a pluralidade, mas essa abordagem não é correcta. A adjectivação "mix" decorre, efectivamente, da existência de pluralidade, mas é relativa a elementos de diferentes naturezas, tal como acontece com o conceito de metodologia "mix" de investigação, que utiliza os paradigmas quantitativo e qualitativo (paradigmas de diferentes naturezas).

Alguma desta "confusão" é também gerada pelo facto de, em muitas referências bibliográficas e online, se assistir à utilização, por vezes indistinta, dos termos paradigma e método, conceitos que sabemos serem bem diferentes.

Se o conjunto de assumpções, conceitos e valores dum paradigma têm a mesma natureza, pois só assim é possível identificar, definir e caracterizar um paradigma, como poderemos ter paradigmas "mix"?

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